Manifesto contra tentativas de prorrogar vigência de patentes
Em defesa da manutenção da decisão do STF que torna os medicamentos mais acessíveis
Em maio de 2021, a população brasileira conquistou importante vitória com a decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Patentes. Este precedente inaugurou a possibilidade de maior acesso a medicamentos importantes usados em tratamento de doenças como diabetes e câncer.
O parágrafo único permitia a extensão do prazo de patentes, o que é por si só algo abusivo, baseado no tempo de análise pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Dessa forma, patentes de medicamentos que, conforme convenções internacionais, deveriam durar até 20 anos chegavam a 30 anos ou mais. A decisão do STF colocou, enfim, o Brasil no mesmo patamar dos países economicamente mais avançados.
Mas essa conquista está mais uma vez sob ameaça. Na tentativa de burlar a decisão da Suprema Corte, alguns laboratórios proprietários de patentes têm ingressado na Justiça para tentar manter a extensão do prazo já cassado pelo STF. São quase 40 ações em curso, que pretendem reestabelecer um status quo que entendemos estar no passado. Esses grupos também entraram com pedido no STF para obterem um direito o qual já foi julgado pela mesma corte como inconstitucional.
Para se ter uma ideia da importância da decisão do STF, estudos do Grupo de Economia da Inovação do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEI/IE/UFRJ) apontaram que os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com compras estratégicas de apenas nove medicamentos poderiam ser barateados em até 57%, caso não houvesse extensão das patentes analisadas, equivalente a 1,1%, ou R$ 1,2 bilhão nos gastos anuais do sistema.
A crise sanitária causada pela pandemia de Covid 19 gerou forte pressão na economia e sobre as políticas públicas de saúde, em especial quanto ao financiamento do SUS. Por isso, as tentativas de se reestabelecer a extensão do prazo de patentes representam um retrocesso ao país como um todo. Há impacto direto no SUS, que não deve ter parte de seu orçamento drenado para o pagamento de algo que não encontra amparo constitucional, conforme definiu o STF. E também traz prejuízo expressivo às políticas de acesso a medicamentos genéricos, similares e biossimilares, atrasando a disponibilidade desses para a população brasileira.
Milhões de brasileiros que pagam seus impostos e dependem do sistema público e gratuito de saúde precisam ser respeitados.
Por essas razões, os profissionais abaixo-assinados (ex-ministros da saúde, juristas, economistas, professores e pesquisadores) vêm à público defender a grande conquista que foi a decisão da Suprema Corte apoiando a ADI 5529, um fator importante para a garantia do acesso universal e a saúde como direito do artigo 196 da Constituição brasileira. Apoiamos fortemente a manutenção do que foi decidido e também rechaçamos as tentativas de se implantar no país um sistema inexistente na legislação brasileira, de forma a permitir por outros meios a manutenção das extensões ilegais e abusivas de patentes.
José Gomes Temporão, Médico e ex-Ministro da Saúde; Carlos Gadelha, Economista e Vice-Presidente FIOCRUZ; Jorge Bermudez, Médico ENSP/FIOCRUZ; Artur Couto, Economista Vice-Diretor Biomanguinhos/FIOCRUZ; Gonzalo Vecina Neto, Sanitarista ex-Presidente ANVISA; Cláudio Maierovitch, ex-Presidente ANVISA; Marcelo Ramos, Deputado Federal; Profa. Lia Hasenclever, Economista e Presidente ABEIN; Profa. Julia Paranhos, Economista Instituto Inovação UFRJ; Denizar Vianna, Professor Titular da Faculdade de Medicina da UERJ; Leila da Luz Lima Cabral, Ex-pesquisadora INPI, Expert em Propriedade Industrial WIPO/OMPI Competitive Intelligence, LLL Cabral & D.V.Pinto; Reinaldo Guimarães, Sanitarista ABRASCO; Luana Araújo, Médica infectologista diretora Hospital Albert Einstein; Karin Kuntz, Jurista e Pós-Doutoranda no PPGD/UFPR; Pedro Barbosa, Jurista PUC/RJ; Guilherme Toshiriro Takeishi, Jurista PUC/SP; Sidney Pereira de Souza Junior, Jurista PUC/SP.